Utilização do grafeno pode reduzir volume do rejeito radioativo em 90%
Apesar das campanhas e pressões contrárias à energia nuclear, há 450 reatores nucleares em atividade em 33 países e outras 50 usinas em construção. A crescente necessidade de alternativas “limpas” para geração de energia deverá triplicar o número de usinas nucleares até 2050, fazendo com que essa fonte passe a representar 25% da eletricidade produzida no planeta.
O grafeno possui características únicas como alta condutividade, rigidez superior a do diamante, grande área superficial, leveza e elasticidade
O anúncio foi feito durante o Congresso Mundial de Energia Nuclear (AtomExpo) em 2016, em data que coincidiu com o aniversário de 30 anos do acidente de Chernobyl, na Ucrânia, o maior desastre nuclear da história. Um grande, se não o maior problema das usinas nucleares, é o subproduto que elas geram: o lixo nuclear. Esse lixo nuclear, denominado normalmente de rejeito nuclear, não é exclusivo de usinas nucleares. Eles também são produzidos em hospitais, centros de pesquisas, e até nos prédios comerciais e residenciais (detectores de fumaça, para-raios). Em decorrência, há um esforço mundial para buscar melhores e mais seguras alternativas para seu armazenamento.
Um grupo de pesquisadores da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), pelo radiofarmacêutico Ralph Santos-Oliveira descobriram um fato inédito que poderá revolucionar o armazenamento de resíduos nucleares. Eles utilizaram o grafeno, cujo único grama pode ter entre 200 e 400 metros quadrados de área, e conseguiram reduzir o volume de rejeito radioativo em 90%. Ou seja, um galão de 900 litros fica reduzido a 90 litros apenas, o que reduz sobremaneira o espaço para armazenamento. Além disso, o uso do grafeno permite transformar o rejeito radioativo líquido em sólido, auxiliando ainda mais na armazenagem e evitando riscos de vazamentos.
Segundo Santos-Oliveira, o grafeno nada mais é do que uma rede 2D de carbono, o que lhe confere resistência e estabilidade muito grande. “Dada sua grande superfície e por ser detectável como agente fluorescente, pensamos que poderia ser um bom marcador”, explica o doutor em Biotecnologia. Esse trabalho foi aceito pela revista Environmental Science and Pollution Research e será publicado em janeiro de 2020.
Considerado o material mais fino e resistente do mundo, o grafeno é obtido a partir do grafite natural, o mesmo utilizado na fabricação dos lápis. Consiste de uma camada bidimensional de átomos de carbono organizados em estruturas hexagonais, sendo uma das formas cristalinas do carbono, assim como o diamante. Suas características únicas tornam esse elemento tão ou mais revolucionário que o plástico, entre elas a alta condutividade, rigidez superior a do diamante, grande área superficial, leveza e elasticidade. Outra marca do grafeno é sua impermeabilidade atômica: nem mesmo átomos de gases (como o hélio) conseguem atravessar uma barreira de grafeno. Todos esses atributos e propriedades do grafeno favorecem uma infinidade de aplicações, com especial atenção ao meio ambiente e a saúde.
Ralph Santos-Oliveira conta que após os ensaios iniciais descritos no artigo, outros rejeitos nucleares já foram testados; e o sucesso se repetiu com todos. “Agora, pretendemos fazer em escala industrial”, esclarece o pesquisador. A CNEN foi contemplada no edital de Apoio à Cooperação Bilateral FAPERJ/Fundação Para a Ciência e Tecnologia de Portugal (FCT), que apoiará projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento, conduzidos entre equipes de pesquisa de Portugal e do Estado do Rio de Janeiro. “Os pesquisadores portugueses têm expertise em micelas e nós vamos passar nosso conhecimento em trabalhar com grafeno”, comemora o pesquisador. Ainda no âmbito da FAPERJ, a Cnen aprovou também, recentemente, em parceria com o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o projeto em Rede de Nanotecnologia, onde o escopo da utilização do grafeno será expandido.
Após o vazamento na usina de Fukushima, no Japão, há quatro anos, o segundo maior acidente da história, países como Alemanha, Suíça e até mesmo o Japão decidiram abandonar, gradualmente, o uso de energia nuclear. Para o pesquisador, mais do que as diversas campanhas contrárias à energia nuclear, ela foi mal apresentada à sociedade. “Ela foi apresentada como uma bomba”, alega, referindo-se à bomba nuclear lançada sobre Hiroshima. Além disso, ele recorda que ao longo do tempo apenas a parte negativa da energia nuclear foi apresentada à sociedade. Santos-Oliveira, que também é professor da Universidade Estadual da Zona Oeste (Uezo), acha que a academia ficou muito fechada em relação ao grande público, restringindo a divulgação das descobertas à comunidade científica. “Temos que mostrar que a energia nuclear também salva vidas”, defende.
Ele deu exemplo de uma importante conquista para a o tratamento do câncer metastático ósseo, que contava com opções muito restritas. “O paciente sofria com dores insuportáveis e tinha uma sobrevida média de nove meses, com enormes limitações”, explica o radiofarmacêutico. A grande virada para esta doença aconteceu em 2016, quando pesquisadores norte-americanos de radioquímica e radiofarmácia publicaram artigo na Nature apresentando uma nova molécula, o PSMA, marcada com lutércio 177, que mudou drasticamente o tratamento desses pacientes. “O tratamento atingiu um grau de eficiência que nenhum outro medicamento do mundo havia obtido. A sobrevida passou de seis meses para três anos, com um grau de limpeza que permitiu ao paciente ter uma vida praticamente normal, com resultados bem superiores à quimioterapia e sem os seus efeitos colaterais”, explica o pesquisador. Segundo ele, o impacto dessa descoberta fez com que o mercado de medicamentos para esse tipo de câncer, que em 2016 era de US$ 1,8 bilhão, passasse para US$ 8,9 bilhões em 2018, pois o medicamento foi logo adotado pelo sistema de saúde americano.
“O estado do Rio de Janeiro não tem mais os cursos de Radioquímica, nem o de Radiofarmácia. Mas precisamos formar pessoas que possam pensar e executar novas moléculas radioativas”, clama o pesquisador. O único curso de farmácia em território fluminense que oferece a disciplina de Radiofarmácia de forma regular é a Uezo, no qual o responsável pela disciplina é o pesquisador.
Santos-Oliveira: “Temos que mostrar que a energia nuclear também salva vidas”
Santos-Oliveira e sua equipe na Uezo, UFF e Cnen submeteram projeto ao edital Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ. Nesse projeto é proposto reestruturar o setor de Radioquímica e Radiofarmácia no estado do Rio de Janeiro. O projeto se compromete a repassar o conhecimento do material radioativo de forma linear e constante, formando regularmente novos pesquisadores nas duas áreas. “É quase um movimento institucional para recriar competências”, diz o radiofarmacêutico, para quem a academia deve assumir a Energia Nuclear e suas diversas aplicações como uma essencialidade para os seus cursos.
O pesquisador também comemora o lançamento de três editais específicos para o desenvolvimento de atividades da Uezo, lançados pela FAPERJ, entre eles, o de Apoio à Infraestrutura Laboratorial e Desenvolvimento das Linhas de Pesquisa da Uezo. Em sua opinião, está mais que na hora da universidade se destacar em uma grande área de pesquisa, e o edital ajudará a consolidar a área de Nanorradiofarmácia, liderada por um grupo exclusivo da Uezo. Santos-Oliveira também integra um dos grupos contemplados no programa Redes de Pesquisa em Saúde do Estado do Rio de Janeiro, em projeto que visa o Fortalecimento da Rede Nanosaúde. Unindo Uezo, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o projeto consolida redes bastante estabelecidas no estado, composta por equipes que atuam na pesquisa em Nanosaúde há cerca de 20 anos. “O principal objetivo dos pesquisadores é congregar expertises visando o lançamento de produto, um medicamento 100% nacional para aplicação em pacientes”, finaliza Santos-Oliveira.